Naiara Viegas Portella Lemos e
Ismar Araújo de Moraes
2021.
O esôfago das aves é uma estrutura do trato
gastrointestinal, localizada entre a faringe e o estômago, que pode apresentar
uma dilatação ventral em algumas espécies, formando uma espécie de bolsa, denominada
papo ou inglúvio.
O papo não possui
glândulas digestivas, porém apresenta uma série de células secretoras, o que
permite que ele tenha a função de armazenar e amolecer alimentos e, em pequenas
quantidades, realizar a pré-digestão de algumas substâncias (KLEIN, 2014).
Ainda, no papo também ocorre boa parte da digestão do amido, tanto pela ação de
bactérias, como pela presença da amilase, que chega ao local por refluxo
intestinal (REECE e TRAMPEL, 2017).
Em muitas espécies, a função do papo está restrita às descritas acima. Na ordem dos Columbiformes, na qual pertencem os pombos, o papo possui a capacidade de produção de uma secreção, denominada de “leite do papo” ou “leite do pombo”, fato já descrito por Hunter desde 1786 Nesses animais, durante a época da reprodução, a mucosa do papo sofre hiperplasia, tornando-se mais espessa e descama, dando origem a uma secreção semelhante ao leite (leite do papo ou leite do pombo), que é misturada com o alimento previamente coletado formando uma substância semissólida regurgitada pelos pais na cavidade dos filhotes (ARENT, 2010; MOYSES E SCHULTE, 2010; KIERONCZYK et al., 2016). Para Cavalcante et al. (2018), essa secreção recebe esse nome porque é a base da alimentação dos filhotes recém-nascidos e sua composição nutricional é muito parecida com a do leite dos mamíferos.
Os flamingos (Phoenicopterus ruber) segundo Kieronczyk et al. (2016)
também são capazes de alimentar seus filhotes com o leite do papo. Os autores
também citam que a produção de uma
substância semelhante ao leite do papo é produzida no esôfago do Pinguim Imperador (Aptenodytes forsteri), mas é
denominada de leite do papo, haja vista a inexistência de um papo no seu
esôfago.
De modo semelhante à lactação dos mamíferos, a produção do leite do papo é regulada nos pombos pela prolactina (MOYSES E SCHULTE 2010), porém, diferentemente dos mamíferos, é produzido tanto pelos machos quanto as fêmeas, e assim ambos podem alimentar seus filhotes (TOLEDO et al., 1995; GILLESPIE et. al., 2012).
Para entender a importância dessa substância para os pombos, deve-se lembrar que eles são considerados aves nidícolas, ou seja, os filhotes nascem praticamente sem penas, pouco desenvolvidos, e então ficam desprotegidos. Por isso, permanecem no ninho por um longo período após a eclosão dos ovos, necessitando dos pais para fornecerem alimentação e proteção (TOLEDO et al., 1995). De acordo com Ding et al. (2020), até os sete dias de vida os filhotes dependem exclusivamente do leite do papo para serem nutridos e somente a partir da segunda semana de vida é que começam a ingerir outros alimentos previamente digeridos pelos pais e oferecidos a eles a partir da regurgitação. Tentativas de uso de substitutos do leite do papo em filhotes de pombos não foram suficientes para impedir a morte ou crescimento anormal de aves jovens, sendo sugerida a presença de fatores imunomoduladores como imunoglobulinas e citocinas, como no caso de leite de mamíferos, necessários durante o período pós-incubação (KIERONCZYK et al., 2016)
Composição do Leite do Papo
Como
é produzido a partir da proliferação e consequente descamação do epitélio do
papo, esse leite consiste basicamente em queratinócitos (tipo de célula
epitelial responsável pela produção da queratina), os quais são ricos
principalmente em proteínas e lipídeos. Mais detalhadamente, a composição
nutricional do leite do papo é formada por cerca de 60% de proteína (na matéria seca), 32 a 36% de gordura (incluindo
triglicerídeos, fosfolipídeos, colesterol, ácidos graxos livres e ésteres de
colesterol e diglicerídeos),
1 a 3% de carboidratos e também 4.4–4.8% de macroelementos tais como cálcio, potássio, sódio e
fósforo (GILLESPIE et al., 2012). O Quadro 01 demonstra alguns dados acerca da composição do leite do papo de algumas
espécies.
A literatura também relata a presença no leite do papo de bactérias que habitam naturalmente o órgão e são expelidas juntamente ao leite, substâncias bioativas, como transferrina, glicoproteínas, imunoglobulinas e citocinas, e um fator de crescimento específico dos pombos, o PMGF – Pigeon Milk Growth Factor (GILLESPIE et al., 2012; KIERONCZYK et al., 2016). No caso do flamingo, foi relatada caracterizada pela abundância de cantaxantina, leucócitos e eritrócitos ( LANG, 1963, apud KIERONCZYK et al., 2016)
A riqueza nutricional e os efeitos de bactérias e substâncias bioativas contidas no do leite do papo permitiu aventar a possibilidade de sua utilização para agregar maior valor biótico e energético na ração de frangos de corte. Em uma pesquisa conduzida por Gillespie et al. (2012)foi demonstrado que o leite de pombo suplementado na dieta frango de corte aumenta a taxa de crescimento e tem um impacto significativo no seu sistema imunológico ( determinado pela expressão gênica no GALT-gut-associated lymphoid tissue), na regulação da produção e ativação de citocinas e proliferação de linfócitos B. Além disso foi observado que o leite do papo suplementado na ração trouxe benefícios para a diversificação da microbiota intestinal, com efeitos pré- e probióticos.
Referências Bibliográficas
ARENT, L. Anatomia e Fisiologia das Aves. In: COLVILLE, T.; BASSERT, J. Anatomia e Fisiologia Clínica para Medicina Veterinária. 2ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 1296p. cap. 19.
CAVALCANTE, A. et al. Micro-organismos encontrados nas fezes de Columbia livia (Aves, Columbidae) no município de Santarém, Pará, Brasil. Scientia Amazonia, v. 7, n.1, p.19-27, 2018.
KLEIN, B. Padrões de Motilidade do Trato Gastrointestinal. In: ____. Cunningham Tratado de Fisiologia Veterinária, 5 ed. Rio de Janeiro, 2014. 1599p. cap. 28.
MOYSES, C.D.; SCHULTE, P.M. Princípios de Fisiologia Animal. 2ª ed. Grupo A, Artmed. Porto Alegre. 2010. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536323244/. Acesso em: 21 set. 2021
REECE, W.; TRAMPEL, D. Digestão das Aves. In: REECE, W. Dukes Fisiologia dos Animais Domésticos. 13 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017, 1594p., cap. 46.
TOLEDO, F.F. et al. Enciclopédia agrícola brasileira: I-M. Brasil, Edusp, 1995.
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