Fisiologia do sistema respiratório aviário
Anatomia Respiratória Aviária
O sistema pulmonar consiste em dois componentes funcionalmente distintos: um componente para ventilação, representado pelas vias aéreas condutoras, sacos aéreos, esqueleto torácico e músculos da respiração, e um componente para a hematose, representado pelos parabrônquios.
Traquéia
Tanto nos mamíferos quanto nas aves, a traquéia transporta o ar até as ramificações bronquiais. Contudo, entre as espécies aviárias há vários tipos morfológicos de tranquéia devido ao diferente formato e comprimento do pescoço.
A traquéia das galinhas possui anéis completos de cartilagem hialina que se ossificam na ave adulta e está internamente revestida por um epitélio pseudoestratificado ciliado, entremeado por glândulas alveolares secretoras de muco. A traquéia está localizada no lado direito do pescoço e lateral ao esôfago, penetra na cavidade torácica e termina na siringe, que está conectada com os dois brônquios primários que penetram no pulmão.
As cartilagens traqueais em todas as aves formam anéis completos, ao contrário dos anéis incompletos em forma de C dos mamíferos.
De uma classe de aves para outra, existem variações na anatomia traqueal que possuem significativas implicações para a ventilação. O emu e os patos selvagens americanos, por exemplo, possuem um divertículo saculiforme inflável que se abre a partir da traquéia, e os machos de muitas espécies de galinha d´angola possuem expansões bulbosas traqueais.
Algumas aves podem apresentar alças traqueais que podem estar localizadas no pescoço caudal, dentro da quilha ou dentro do tórax e da quilha, como vemos na figura.

Fonte: Swensson & Reece
Com seus pescoços relativamente longos, a traqueía aviária é 2,7 vezes mais longa do que a dos mamíferos de tamanho comparável, mas também 1,29 vezes mais larga, de forma que a resistência ao fluxo aéreo pela traquéia nas aves é comparável à dos mamíferos.
A resistência do fluxo aéreo é um dos fatores associados ao trabalho de respirar. A resistência é maior durante a expiração do que durante a inspiração, por causa da expansão dos sacos aéreos nas aves, e do pulmão nos mamíferos, que ocorrem durante a inspiração. Nesta fase, a pressão negativa dentro da cavidade toraco-abdominal da ave puxa o ar atmosférico, sem a necessidade de tanto esforço para inspirar.
O volume traqueal é cerca de 4,5 vezes maior do que o dos mamíferos de tamanho comparável. O impacto do volume do espaço morto traqueal fica reduzido, porque as aves possuem frequência respiratória mais baixa em comparação com os mamíferos.
Assim como nos mamíferos, as aves apresentam espaço morto respiratório anatômico e fisiológico.
As estruturas do espaço morto anatômico são faringe, laringe, traquéia, brônquiso primários e brônquiso secundários. Nestes locais não existe difusão de gases entre o sangue e as vias aéreas. Sua principal função é conduzir o ar até o pulmão, onde a hematose ocorrerá nos parabrônquios. Embora não haja intercâmbio gasoso nessas regiões do espaço morto anatômico, parte do volume de ar inspirado é trocado com o ambiente durante a respiração normal. Dessa forma, nem todo volume de ar corrente ventila os parabrônquios. A porção do volume de ar que entra nos parabrônquios é denominado de ventilação parabronquial.
Alguns parabrônquos de aves não são perfundidos adequadamente, de modo que a troca gasosa não ocorrerá. Esse espaço é denominado de espaço morto fisiológico ou parabronquial. Então, podemos dizer que o espaço morto fisiológico é a soma do espaço morto anatômico e do espaço morto parabronquial.
Para determinarmos a quantidade total de ar inspirado pela ave por minuto (volume minuto), soma-se a ventilação parabronquial e a ventilação do espaço morto anatômico.
Na polipnéia, o volume corrente baixo e uma frequência respiratória alta fazem com que a maior quantidade de ar ventile o espaço morto, de modo que ocorra maior evaporação de água e perda de calor.
Nos procedimentos anestésicos, o veterinário precisa tomar cuidado para que o equipamento usado não aumente o espaço morto. Traqueotubo excessivamente longos dão origem a um grande espaço morto. Com isso, o animal deve receber um volume corrente grande para garantir uma ventilação parabronquial adequada.
Brônquios
Os mamíferos possuem muitos arranjos de ramificação bronquial que conduzem o ar até os alvéolos, onde ocorre a hematose. Já o sistema bronquial nas aves consiste apenas em três ordens de ramificações, antes que chegue nas superfícies de intercâmbio gasoso.
São 3 tipos de brônquios a cada lado dos pulmões: um brônquio primário intrapulmonar, brônquios secundários e brônquios terciários, comumente chamado de parabrônquios. Os parabrônquios e a sua manta de tecido adjacente são locais de ocorrência do intercâmbio gasoso.
Os brônquios secundários são ramificações dos primários, e os terciários originam-se dos secundários.

Figura: Esquema do pulmão aviário e o caminho do ar durante a inspiração
Fonte: Swensson & Reece
Brônquios secundários
Os brônquios que emergem de brônquios primários são brônquios secundários. Na maior parte das aves, os brônquios secundários estão distribuídos em quatro grupos: medioventral, mediodorsal, lateroventral e laterodorsal.
Os brônquios secundários medioventrais emergem do brônquio intrapulmonar primário, próximo à entrada do pulmão, e os brônquios secundários mediodorsais, lateroventrais e laterodorsais emergem da porção caudal encurvada do brônquio intrapulmonar primário.
Brônquios terciários ou Parabrônquios
Os parabrônquios são tubos estreitos longos que apresentam alto grau de anastomose. Sua entrada é circundada por músculo liso que parecem ser controladas pelo nervo vago.
As superfícies internas dos parabrônquios tubulares são perfuradas por inúmeras aberturas. Essas aberturas são denominadas de átrios, que são separados por septos interatriais.
Em cada átrio e emergindo da superfície atrial, ficam ductos em forma de funil chamado de infundíbulos, que levam o ar aos capilares aéreos, formando uma rede anastomosante que fica intimamente entrelaçada com a rede de capilares sanguíneos.
O intercâmbio gasoso ocorre dentro dessa manta de capilares aéreos e sanguíneos entrelaçados.
Tipos de tecido parabronquial
O pulmão das aves possui 2 tipos de tecidos parabronquial: tecido parabronquial paleopulmonar, que é encontrado em todas as aves e que são pilhas paralelas de parabrônquios anastomosantes; e tecido parabronquial neopulmonar, consistindo em uma malha de parabrônquios anastomosantes localizados na porção caudolateral do pulmão. O seu grau de desenvolvimento varia de acordo com a espécie.

Figura: Proporção Pulmão Paleopulmonar : Neopulmonar
Fonte: Swensson & Reece
Pinguins possui apenas parabrônquios paleopulmonares, já pombos e patos possuem parabrônquios paleopulmonares e neopulmonares, sendo os neopulmonares responsáveis por 10% a 12% do volume pulmonar total. Em galinhas, os parabrônquios neopulmonares podem chegar à a 20% a 25% do volume pulmonar total.
Durante a inspiração e expiração, a direção do fluxo de gás nos parabrônquios paleopulmonares é unidirecional, mas nos parabrônquios neopulmonares é bidirecional.
Sendo assim, durante a inspiração, o ar inspirado vai diretamente, em sentido crânio caudal, para os sacos aéreos caudais e o neopulmão. Ao mesmo tempo, o ar qu entra no brônquio secundário médiodorsal, em sentido caudo-cranial, atravessa o paleopulmão e preenche os sacos aéreos craniais. Durante a expiração, o fluxo de ar é caudo cranial no neopulmão, nos sacos aéreos caudais e no paleopulmão, e flui em sentido crânio caudal nos sacos aéreos craniais, que se esvaziam, via brônquios secundários médioventrais.
Sacos Aéreos
As aves possuem 9 sacos aéreos: dois cervicais, um clavicular e dois torácicos craniais pertencem ao grupo dos sacos aéreos craniais, e dois torácicos caudais e dois abdominais fazem parte do grupo dos sacos aéreos caudais.
Histologicamente, os sacos aéreos são mal vascularizados, e por isso não contribuem para o intercâmbio gasoso.
Em algumas espécies, os sacos aéreos podem se estender para o interior de alguns ossos, formando divertículos. Assim, os sacos aéreos podem fazer aeração das vértebras cervicais, algumas vértebras torácicas, costelas, esterno, úmero, pelve e fêmur. Diz-se que os divertículos podem auxiliar o vôo, pois tornam o esqueleto mais leve com os ossos pneumáticos.
O grupo cranial de sacos aéreos emergem do primeiro conjunto de brônquios secundários medioventrais, e o grupo caudal dos sacos aéreos emergem de um segundo e terceiro conjuntos de brônquios secundários lateroventrais e mediodorsais, bem como do brônquio primário intrapulmonar.
Mecânica da Ventilação
Durante a inspiração, os músculos inspiratórios contraem-se e o volume interno da cavidade toracoabdominal aumenta. Como os sacos aéreos são as únicas estruturas complacentes, o seu volume também aumenta.
À medida que a pressão dentro dos sacos aéreos se torna negativa em relação à pressão atmosférica, o ar flui para dentro do sistema pulmonar.
Como podemos ver na figura acima, durante a inspiração há muito pouco ou não há fluxo de ar nos ventrobrônquios (medioventrais), que conecta os parabrônquios e os brônquio intrapulmonar. Uma parte do ar inspirado cruza o pulmão neopulmonar e penetra nos sacos aéreos torácico caudal e abdominal, e outra parte vai para os dorsobrônquios (medio-dorsais) e em seguida para o pulmão paleopulmonar, onde também ocorrerá a hematose.
Durante a expiração, os músculos expiratórios contraem-se e o volume interno da cavidade toracoabdominal diminui, e a pressão dentro dos sacos aéreos aumenta. Com isso, o gás flui para fora dos sacos aéreos torácico e abdominal, bem como passa através dos pulmões neopulmonares para os pulmões paleopulmonares, e daí para fora dos ventrobrônquios e traquéia para o ambiente.
O fluxo de gás dos sacos aéreos craniais não passa de volta para os parabrônquios, mas vai diretamente para os ventrobrônquios e a traquéia, e em seguida, para o ambiente.
O volume dos sacos aéreos distribui-se aproximadamente de forma igual entre os grupos cranial e caudal. Durante a ventilação, todos os sacos aéreos são ventilados, e a proporção de volume de ar é semelhante para cada saco aéreo.
Intercâmbio gasoso
A eficiência do intercâmbio gasoso do pulmão aviário é maior do que a do pulmão do mamífero, devido ao modelo contracorrente de intercâmbio gasoso.
O modelo de contracorrente é explicado considerando o que acontece com as pressões parciais de dióxido de carbono e do oxigênio tanto no gás respirado, à medida que flui pelo pulmão, quanto no sangue, à medida que perfunde o pulmão.
À proporção que o gás flui ao longo do parabrônquio, recebe o dióxido de carbono e libera o oxigênio, de modo que o gás no começo do parabrônquio possui a pressão parcial mais baixa de dióxido de carbono, e o gás no final do fluxo de saída do parabrônquio possui a pressão parcial mais elevada de dióxido de carbono. A condição inversa é considerada para o oxigênio.
Por conta disso, o resultado final é que a pressão parcial de dióxido de carbono no gás final parabronquial pode exceder a pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial. Da mesma forma, a pressão parcial do oxigênio no gás final parabronquial pode estar mais baixa do que a pressão parcial de oxigênio no sangue arterial.
Intercâmbio Gasoso e o vôo
O vôo é o modo mais exigente de locomoção nos animais e exerce as maiores demandas de energia. As aves são capazes de voar em altitudes elevadas onde os seres humanos precisam de oxigênio suplementar para conseguiur sobreviver nestes locais.
Nestas altitudes, a pressão parcial de oxigênio é muito baixa, e o ar seco e frio. O pulmão aviário possui a capacidade de extrair mais oxigênio de determinado volume de ar em comparação com o mamífero, além disso, as aves possuem a capacidade de preservar o fluxo sanguíneo cerebral diante de pressões parciais arteriais muito baixas de dióxido de carbono e aumentar a liberação de oxigênio pela hemoglobina aos tecidos.
As pressões parciais elevadas de dióxido de carbono causam vasodilatação cerebral e aumento no fluxo sanguíneo cerebral, e as pressões parciais baixas provocam vasoconstricção e consequentemente redução do fluxo sanguíneo cerebral.
O mínimo que os mamíferos podem tolerar pressões parciais de dióxido de carbono é 20 mm Hg, porém, abaixo deste valor, o fluxo sanguíneo cerebral fica comprometido resultando em isquemia cerebral. Entretanto, as aves são capazes de manter o fluxo sanguíneo cerebral mesmo quando a pressão de dióxido de carbono é de 8 a 10 mm Hg. Esta é uma forma de adaptação das aves que voam nas alturas, que lhes permite hiperventilar de forma que fornece ventilação temporária suficiente para atingir as suas demandas de oxigênio, enquanto preservam a perfusão cerebral.
Referência Bibliográfica
SWENSON, M.J.; REECE, W.O.; Dukes Fisiologia dos Animais Domésticos. 11ª ed. Rio de Janeiro, RJ, Editora: Guanabara Koogan, Cap. 08, p.135-142, 1996.
ITO, N.M.K.; MIYAJI, C.I.; MIYAJI, S.O.; Fisiopatologia do Sistema Respiratório. SPAVE, Consultoria em Produção e Saúde Animal Ltda, SP, São Paulo.