Bases Fisiológicas do Prurido ou Coceira

Ismar Araujo de Moraes

2023.

INTRODUÇÃO

As impressões sensoriais nos animais são extremamente importantes para os animais, e até mais importantes do que  para os humanos, pois na ausência de capacidade de raciocinar, são elas que muitas vezes indicam a necessidade de adoção de comportamentos de forma a proteger a sua vida.

Essas impressões sensoriais representam sensações identificadas como  gerais ou especiais.

As sensações especiais, são aquelas relacionadas com os órgãos especiais dos sentidos, algumas delas  abordadas em outros hipertextos da Webvideoquest: visão, olfação, gustação, audição, tato e equilíbrio. Já as sensações gerais incluem o calor, o frio, a  vibração e uma bem intrigante que é reconhecida como prurido ou coceira.

O prurido é desencadeado por determinados estímulos sobre receptores que respondem criando um potencial de ação que é reconhecido nos centros nervosos superiores determinando uma resposta motora voltada para a supressão do estímulo desagradável ou minimamente desconfortante.

Este hipertexto pretende trazer as informações da literatura que permitem entender melhor essa sensação sob o ponto fisiológico e algumas considerações breves sobre a fisiopatologia da coceira, já que essa sensação pode estar associada com algumas doenças.  Serão usadas fontes bibliográficas relacionadas com a Fisiologia e Medicina humanas, pois lamentavelmente o tema é menos abordado em Medicina Veterinária, mas permitem por analogia entender esse processo que deve ser semelhante  na maioria animais.

 

BASES FISIOLÓGICAS

Os estímulos.

O prurido pode ser causado por diversos estímulos, como o toque da pele, vibração e fibras de lã. (BENEDETTI, 2021). Além disso a sensação pode ser desencadeada pelo “reconhecimento” da histamina gerando sinais elétricos que são conduzidos pelas fibras à medula espinhal, e desta ao cérebro (LINS, 2009).

Segundo Hall e Hall (2021b), a sensação do prurido é transmitida pela  via anterolateral de transmissão de sinais sensoriais pela medula espinhal até o encéfalo. Ao  contrário do sistema coluna dorsal-lemnisco medial, a via anterolateral transmite sinais sensoriais que não requerem localização altamente precisa da fonte nem discriminação de gradações finas de intensidade. Além do prurido, algumas outras modalidades de sensação também são transmitidas somente por esse sistema, sem participação nenhuma do sistema da coluna dorsal, são elas: sensações de dor, de temperatura, de cócegas, de prurido e sexuais, juntamente com o tato grosseiro e a pressão.

 

Os neurônios.

De acordo com Hall e Hall (2021a) os fisiologistas sensoriais têm utilizado uma classificação das fibras nervosas em grupos identificados como I.a, I.b, II, III e IV, segundo o calibre das fibras definidos como Aα, Aβ, Aγ, Aδ, e  C.  Seguindo esse critério de classificação, o prurido está incluído no Grupo IV, onde agrupam as fibras desmielinizadas que conduzem também as sensações de dor, temperatura e tato protopático, medindo cerca de 0,5 a 2,0 micrômetros de diâmetro, dentro da classificação geral de fibras nervosas do  tipo C. (Vide quadro abaixo).

Segundo Lins (2009), alguns dos neurônios que veiculam a sensação de coceira já são conhecidos. Eles ficam posicionados em gânglios próximos à coluna vertebral e emitem longas fibras nervosas que se espalham por toda a pele. Essas sensações são transmitidas por fibras C muito pequenas e desmielinizadas, similares às que transmitem o tipo de dor profunda e lenta HALL E HALL, 2021b).

 

Os receptores.

Os Receptores para prurido e cócegas são observados como sendo terminações nervosas livres e corpúsculos lamelares localizados na pele e nas membranas e mucosas e com velocidade  de adaptação tanto lenta quanto rápida (LINS, 2009). Segundo a autora, na extremidade das fibras existem proteínas que reconhecem seletivamente a histamina, uma substância liberada por células do sistema imunológico quando ocorre uma reação inflamatória ou alérgica.

Segundo Hall e Hall (2021b), os estudos neurofisiológicos demonstraram a existência de terminações nervosas livres mecanoceptivas de rápida adaptação que deflagram somente sensações de prurido e cócegas.   Essas terminações são encontradas quase exclusivamente nas camadas superficiais da pele, que normalmente é o único tecido capaz de produzir sensações de prurido e cócegas. Vale ressaltar  que a sensação de cócegas não é possível assegurar que seja percebida pelos  animais, embora presumivelmente, os gatos experimentam essa sensação quando eles esfregam e limpam seus bigodes (IGGO e KLEMM , 1996a).

Benedetti (2021) admite que neurônios sensoriais periféricos específicos medeiam a sensação de prurido assim como definiu Hall e Hall (2021a), mas informa que eles são distintos daqueles que respondem ao tato leve ou à dor, contendo um receptor MrgA3, cuja estimulação causa a sensação de prurido.

 

Os Mediadores Químicos

Existem diferentes  estímulos capazes de  causar a sensação de coceira tais como toque da pele e  vibração,  assim como  uma série de mediadores químicos (BENEDETTI,2021).

A histamina é o mediador químico mais bem conhecido, sendo sintetizada e armazenada nos mastócitos da pele e liberada em resposta a diversos estímulos. Outros mediadores (p. ex., neuropeptídeos) também podem causar liberação da histamina ou atuar como pruritogênicos, explicando assim por que os anti-histamínicos atuam em alguns casos de prurido e não em outros. Os opioides têm ação pruritogênica central assim como de estimulação do prurido periférico mediado pela histamina. (BENEDETTI,2021).

 

A sensação da Coceira

A sensação da coceira tem presumivelmente o propósito de  chamar a atenção para estímulos superficiais leves, como uma pulga caminhando sobre a pele ou um mosquito prestes a picar. Os sinais deflagrados podem ativar o reflexo de coçar ou outras manobras que livram o hospedeiro do agente irritante (HALL e HALL, 2021b). Os autores comentam que o prurido pode ser aliviado pela fricção se essa ação remover o agente irritante ou se a fricção for forte o suficiente para causar dor.

No mesmo raciocínio, Lins (2009) também entende que a  coceira é uma sensação aparentada à dor, mas que se diferencia por  evocar comportamentos distintos e por ser veiculada e processada por neurônios diferentes.  Ela cita  um experimento realizado por uma  equipe japonesa liderada por Hideki Mochizuki, onde um grupo de voluntários teve a  atividade cerebral registrada por um tomógrafo de emissão de pósitrons  capaz de gerar uma imagem das regiões cerebrais ativas enquanto os pesquisadores pingavam uma solução de histamina na pele do pé.  Os resultados revelaram atividade em áreas sensoriais do córtex cerebral (que sinalizam a presença do estímulo pruritogênico), em áreas motoras (relacionadas à programação do ato de coçar), em áreas de processamento emocional (indicadoras do incômodo da coceira), e outras que monitoram o estado geral do corpo. Interessantemente, quando utilizavam um jato prolongado de água gelada (muito gelada!) para aliviar a coceira, ativavam uma região subcortical sabidamente envolvida com a inibição da dor, e agora também revelada como inibidora da coceira, a chamada grísea periaquedutal.  Segundo a professora Lins (2009), o  quadro então se fecha: a dor do frio inibe a coceira – a dor em geral o faz, e assim, ao raspar a pele  para aliviar o prurido que incomoda, o estímulo doloroso surgido aplaca a sensação da coceira.

Segundo Benedetti (2021) a sensação da coceira leva ao ato de coçar que pode reduzir temporariamente a sensação de prurido ao ativar os circuitos neurais inibidores, mas ele também leva à amplificação do prurido no nível cerebral, exacerbando o ciclo de arranhar e coçar.

 

REFLEXO DE COÇAR

Segundo Iggo e Klemm (1996b) os cães se coçam bastante e há uma base reflexa simples para esta ação, embora tenha um componente tipicamente voluntário. Os autores apontam ainda a existência de um “reflexo de coçar” que pode ser desencadeado, pelos menos em alguns cães, movendo-se os dedos rapidamente sobre o dorso  e para frente sobre a pele das partes dorsolaterais do tórax, abdome ventral ou parte caudal da orelha.

Hall e Hall (2021c) também informa que diferente do ato de coçar feito de modo voluntário por humanos e animais,  em animais, diante de um estímulo que provoca a sensação do prurido ou coceira, ocorre o reflexo de coçar, um reflexo medular especialmente importante.  Esses autores indicam que ele  é iniciado por uma sensação de coceira, ou de cócegas e  envolve duas funções: (1) um sentido de posição que permite que a pata encontre o ponto exato de irritação na superfície do corpo e (2) um movimento de vaivém de coçar. Segundo os autores, o  sentido de posição do reflexo de coçar é uma função altamente desenvolvida.

Iggo e Klemm (1996a) informam que o  reflexo de coçar pode ser igualmente produzido em animais com lesões da medula medial cervical, indicando assim que o arco reside na medula espinhal. Neste aspecto Hall e Hall (2021c) informam se uma pulga estiver rastejando até o ombro de um animal cuja medula espinhal foi seccionada, a pata traseira dele ainda pode encontrar a posição da pulga, embora 19 músculos do membro devam ser contraídos simultaneamente em um padrão preciso para levar a pata até a posição da pulga rastejante. Para tornar o reflexo ainda mais complexo, quando a pulga cruza a linha média, a primeira pata para de coçar, e a pata oposta começa o movimento de vaivém e, por fim, encontra a pulga.

É discutível se essa precisão que aponta por Hall e Hall (2021c) para encontrar a posição da pulga, inclusive se considerarmos a informação dada por eles próprios (HALL e HALL, 2021b), de que a  sensação do prurido é transmitida pela  via anterolateral de transmissão de sinais sensoriais pela medula espinhal até o encéfalo, via  que naturalmente transmite sinais sensoriais que não requerem localização altamente precisa da fonte.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A FISIOPATOLOGIA DA COCEIRA.

Prurido é um sintoma que causa um importante desconforto e é uma causa extremamente frequente que leva o animal a uma  consulta dermatológica. O prurido provoca o ato de coçar que provocam escoriações na pele que podem se tornar inflamadas, liquenificadas ou descamativas (BENEDETTI, 2021). Segundo a autora, o  prurido patológico geralmente é um sintoma de reação sistêmica ou alérgica da pele. Quando as  lesões cutâneas não forem evidentes, é preciso então investigar as causas sistêmicas que o determinam. Frente a doença devem ser observados cuidados com a pele, como limitar a frequência de banhos, evitar irritantes, hidratação regular e umidificação do ambiente. Não havendo solução para o problema, os sintomas podem ser atenuados com fármacos tópicos ou sistêmicos.

BENEDETTI, 2021 aponta quatro mecanismos no prurido indicados no quadro a seguir.

 

O prurido pode ser sintoma de uma doença primária da pele entre elas:  pele seca, dermatite atópica (eczema), dermatite de contato e infecções fúngicas.  Menos frequentemente, é decorrente de uma doença sistêmica como a colestase e a nefropatia crônica, sendo também possivelmente decorrente, e mais raramente de doenças tais como:  hipertireoidismo, hipotireoidismo, diabetes e deficiência de ferro. Além disso, fármacos podem causar prurido e existem as reações alérgicas a alimentos, picadas de inseto e espinhos de plantas (BENEDETTI, 2021). No que se refere aos fármacos causadores do prurido, a  autora informa que eles podem provocar uma reação alérgica ou liberar diretamente a histamina e cita como exemplos a morfina e alguns meios de contraste administrados em exames por imagens.

Iggo e Klemm (1996a), informam que em cães, o ato de coçar pode se tornar  excessivo até o ponto de lesão auto infligida e indicam que o tratamento deve visar a redução na intensidade de estimulação periférica. Aponta ainda que fatores emocionais também podem estar envolvidos, já que pode ser observado que um cão pode parar de se coçar quando sua atenção é distraída para outra coisa.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BENEDETTI, J. Prurido. MANUAL MSD. Versão para Profissionais de Saúde . 2021. Disponível em: https://www.msdmanuals.com . Acesso em 12/11/2022.

IGGO, A.; KLEMM, W.R. Mecanismos sensoriais e somestésicos. In: SWENSON, M.J & REECE, W.O. Dukes Fisiologia dos Animais Domésticos. Cap. 41. Editora Guanabara Koogan, 11ª ed.  Rio de Janeiro, 1996a. 856p.

IGGO, A.; KLEMM, W.R. Nervos, sinapses e reflexos.  In: SWENSON, M.J & REECE, W.O. Dukes Fisiologia dos Animais Domésticos. Cap. 40. Editora Guanabara Koogan, 11ª ed.  Rio de Janeiro, 1996b. 856p.

LINS, A.M.S.C.  Receptores sensoriais. 2009. Disponível em: http://professor.pucgoias.edu.br . Acesso em: 12 nov 2022.

HALL, J.E; HALL, M. E.  Guyton & Hall – Tratado de Fisiologia Médica. Receptores Sensoriais e Circuitos Neuronais. Capítulo 47. Grupo GEN, 2021a. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br  Acesso em: 18 dez. 2021.

HALL, J.E; HALL, M. E.  Guyton & Hall – Tratado de Fisiologia Médica. Sensações Somáticas: I. Organização Geral, Sentidos do Tato e de Posição. Capítulo 48.  Grupo GEN, 2021b. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br  Acesso em: 18 dez. 2021.

HALL, J.E; HALL, M. E.  Guyton & Hall – Tratado de Fisiologia Médica. Funções Motoras da Medula Espinhal e Reflexos. Capítulo 55.  Grupo GEN, 2021c. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br  Acesso em: 18 dez. 2021.

 

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