Referência: Souza-Junior, A.B.; Benicio, L.V.B.; Moraes, I.A. A polipneia nos animais domésticos. Webvideoquest de Fisiologia Veterinária. 2016
Introdução.
A polipneia é um aumento na frequência respiratória, também chamada de ofego ou arquejo, e caracterizada por um tipo de respiração rápida, superficial e ofegante. É considerada como um importante mecanismo de regulação da temperatura corporal em muitas espécies, principalmente nas domésticas, onde todos os animais aumentam a frequência respiratória na medida em que a temperatura ambiental se eleva (REECE, 1988; REECE, 2006). Outros mecanismos segundo esses autores também aumentam a frequência respiratória tais como a idade, o exercício, a excitação, o grau de enchimento do trato digestivo e o estado de saúde, no entanto, difere sobremaneira do tipo de respiração que se observa na polipneia.
A polipneia permite uma eficiente perda de calor corporal pela respiração. Segundo Richards (1970) quando a temperatura do ambiente ultrapassa a temperatura corporal, a termorregulação evaporativa facilitada pela polipneia é a única forma possível de perda de calor pelo animal. Essa forma de evaporação ocorrida no trato respiratório é a forma mais direta e eficiente de perda de calor em criaturas que possuem o corpo coberto de pelos ou penas
Segundo Reece (1988) a integração entre os estímulos respiratórios habituais e a temperatura central do corpo dos cães, por exemplo, faz com que haja uma resposta metabólica para a regulação da ventilação nos espaços de trocas gasosas e da ventilação do espaço morto visando à dissipação do calor.
Mecanismo de dissipação do calor pela Polipneia
Segundo Moraes (2001) a dissipação do calor se faz por meio da maior ventilação do espaço morto anatômico (porção superior das vias aéreas onde não há difusão de gases entre o sangue e as vias aéreas). Segundo o autor, o espaço morto aquece o ar que nele penetra e ao sair carreia consigo grande quantidade de energia térmica na forma de vapor.
De acordo com Reece (1988) ao entrar em contato com o espaço morto, o ar inspirado é aquecido, saturado com vapor de água à temperatura corpórea e submetido à depuração de partículas, assim esse ar retira vapor d`água das membranas das mucosas dos tecidos envolvidos (evaporação) promovendo resfriamento e o consequente efeito de termorregulação.
A passagem de ar pela cavidade nasal permite associação mais íntima do ar e da mucosa do que o movimento do ar com a mucosa da boca aberta. É razoável imaginar que durante a respiração ofegante, o ar movimentado para dentro e para fora, através da boca, língua e superfícies bucais, não se umidificaria suficientemente para permitir a perda do calor (REECE, 2006). Para o autor, grandes volumes de ar teriam de ser movimentados para fornecer resfriamento equivalente ao do ar completamente saturado, o que aumentaria o dispêndio de energia, e a carga de calor tornar-se-ia maior. Ele também afirma que se o ar fosse movimentado para dentro e para fora apenas pelo nariz, o calor no vapor de água adicionados ao ar durante a inalação seriam parcialmente recuperados pelo organismo durante a exalação devido ao intercâmbio de contracorrente que operaria entre a corrente aérea e as superfícies nasais. O resfriamento do corpo nesse caso ficaria diminuído.
De acordo com Reece (2006) devido a características envolvendo a respiração pelo nariz ou pela boca podemos encontrar três padrões diferentes de respiração ofegante nos cães:
• Padrão um, inalação e exalação pelo nariz;
• Padrão 2, inalação pelo nariz e exalação pelo nariz e boca;
• Padrão 3 , inalação pelo nariz e boca e exalação pelo nariz e boca
O autor informa que um resfriamento mínimo pode ser conseguido pelo padrão um, que pode ser observado nos cães em repouso, quando a temperatura ambiente estava abaixo de 26ºC e quando eles correram em baixas velocidades no frio. Segundo ele, os padrões dois e três são observados quando os cães repousam tranquilamente em temperaturas ambientes superiores a 30ºC e durante o exercício, exceto quando este ocorre em temperaturas muito baixas. A inalação do ar pelo nariz e exalação pela boca conseguiria o maior resfriamento, porém, quando é necessário maior volume de ar corrente, é requerida também a inalação pela boca e nariz. O autor informa que parece haver oscilação contínua entre os padrões dois e três. A proporção de tempo em que o padrão três é utilizado em lugar do padrão dois aumenta à medida que a temperatura e a atividade são aumentadas; o padrão três está associado a maior necessidade de ventilação alveolar.
Alterando as quantidades relativas do ar exalado pelo nariz ou boca, o cão pode modular a quantidade de calor dissipado, sem alterar a frequência do volume de ar corrente. A vantagem da frequência constante é que a energia adicionada não requer mudar da frequência intrínseca de respiração ofegante (cerca de 300 respirações ofegantes/minuto) do sistema respiratório. A alteração no volume de ar corrente, pode ser indesejável por causa do efeito sobre a hiperventilação e subsequente alcalose respiratória. Aparentemente, este extremo pode ser evitado pela obtenção de resfriamento com alteração na direção do ar (padrão um para o dois). O aumento do volume de ar corrente pode ser atingido, quando necessário, por alteração do padrão um ou dois para o três (REECE, 2006).
As características do fluxo de ar descritas para a respiração ofegante implicam que a mucosa nasal, mais do que as superfícies oral e da língua, seja o principal ponto de evaporação. Desta forma, um suprimento adequado de água deve ser fornecido à mucosa nasal, o que pode ser derivado das secreções glandulares (nasal e orbital), do transudato vascular ou de ambos (REECE, 2006).
BLATT et al. (1972) informa a existência de uma glândula nasal lateral em cada seio maxilar e que se esvaziam por meio de um ducto único que desemboca dois centímetros para o interior da fossa nasal. Segundo Reece (2006) esta localização rostral é vantajosa à distribuição caudal da secreção, quando o fluxo aéreo está dirigido para dentro do nariz ou para fora da boca. A elevação da temperatura ambiente acarreta um aumento na taxa de secreção, levando a hipótese de que a função das glândulas nasais seja análoga à das sudoríparas nos seres humanos (HABAL e BLATT, 1975). A secreção da glândula nasal lateral é pode ser considerada como a principal fonte de água para o resfriamento por evaporação (SCHMIDT-NIELSON, et. al. 1970).
Essa glândula foi descrita pela primeira vez em 1964 por Nicolas Steno, por isso também é conhecida como glândula de Steno. Ela é encontrada em uma grande variedade de animais que usam o ofego como mecanismo de termorregulação, tais como os cães, os gatos, ovelhas, porcos, cabras e pequenos antílopes (HABAL e BLATT, 1975).
Durante o ofego comum (boca aberta) no cão, o ar segue um caminho unidirecional, entrando pelo nariz e saindo pela boca. Nessa situação a mucosa nasal se torna o principal sítio de perda de calor por evaporação já que o ar que sai pela boca está saturado de vapor d’água na temperatura corporal (SCHMIDT-NIELSON et al, 1970).
De acordo com Reece (1988) o ar saturado de vapor d’água, à medida que passa sobre os ossos turbinados nasais durante a inspiração, recebe o calor para a vaporização pelo fluxo sanguíneo nas vias nasais. Isso explica o resfriamento no interior da região nasal, sendo que essa região é drenada por sangue venoso que é mais frio que o sangue arterial que segue para as vias nasais. Em situações que requerem maior perda evaporativa de calor, o sangue que drena a mucosa nasal é direcionado para os seios venosos da base do cérebro por onde passa uma rede arterial originada da artéria carótida comum que passa a fornecer sangue para a base do cérebro. Tal arranjo é conhecido como rede admirável e permite que o sangue arterial seja resfriado pelo ar que drena a cavidade nasal em um sistema de contracorrente.
Ainda que nos cães existam diferentes padrões de polipneia, é interessante ressaltar que a maioria das espécies que fazem polipneia a faz com a boca fechada. (ROBERTSHAW, 2006). O autor também chama a atenção para o fato de que a língua úmida quando em protrusão aumenta a área de superfície disponível para evaporação.
A Polipneia entre os animais
A polipneia ou arquejo ocorre na maioria dos mamíferos (mas não nos seres humanos) e também em ectotérmicos tais como alguns insetos e lagartos (ROBERTSHAW, 2006). Mas, e mbora o ofego pareça um mecanismo próprio da classe dos mamíferos, alguns membros desse grupo, como os do da subclasse Prototheria (ornitorrincos e équidnas), não apresentam esse mecanismo quando se encontram em estresse térmico (Martin, 1903; Robinson, 1954). Segundo esses autores estes animais controlam a temperatura apenas diminuindo seu metabolismo.
Os cães apresentam o ofego com grande frequência devido seu comportamento ativo e esse mecanismo permite que o cão tenha boa tolerância ao calor (DILL et al., 1933; ADOLPH, 1947) Também nos coelhos a polipneia termorregulatória está presente sempre que necessária (LEE et al, 1941), mas nos suínos, ainda que apresentem pouca perda de calor por meio do suor produzido pelas glândulas sudoríparas, a polipnéia respiratória surge apenas em casos severos de estresse térmico (MOUNT, 1968; INGRAM, 1965). Os autores informam que nesses animais o principal mecanismo de perda de calor se dá por meio do comportamento de chafurdar. Segundo Richards (1970) os gatos apresentam polipnéia termorregulatória somente quando a temperatura corporal atinge limites críticos.
Alguns animais como o rato canguru ( Dipodomys spectabilis ) enfrentam o problema da pouca disponibilidade de água no ambiente e por isso devem encontrar uma maneira alternativa de regular a temperatura por meio da evaporação no trato respiratório. A solução encontrada por esses animais é possuir notável baixa temperatura nas vias aéreas resultando em um ar exalado com temperatura menor do que a temperatura corporal e perda de água diminuída nas vias aéreas (COLLINS et al, 1971). Esse mecanismo também foi relatado por Langman et al. (1979) em girafas e animais selvagens ungulados. A quantidade média de água recuperada devido à exalação de ar com temperatura mais baixa que a temperatura corporal varia de 24-58% (LANGMAN et al, 1979).
O controle da polipneia
O padrão rítmico da respiração e os ajustes que ocorrem está integrado dentro de porções do tronco cerebral conhecidas como centro respiratório . Esse centro possui quatro regiões específicas: o grupo respiratório dorsal (GRD) no bulbo dorsal, o grupo respiratório ventral (GRV) no bulbo ventral, o centro pneumotáxico (CP) na porção rostral da ponte e o centro apnêustico na ponte caudal (REECE, 2006).
De acordo com Reece (2006) o centro respiratório responde não apenas aos estímulos usuais, mas também à temperatura interna corpórea. A integração desses impulsos permite que o centro respiratório responda às necessidades metabólicas, regulando a ventilação alveolar, e a dissipação do calor, regulando a ventilação do espaço morto.
Por meio da polipneia térmica, o resfriamento evaporativo respiratório é aumentado consideravelmente se a umidade do ar inspirado não for muito alta. Em bovinos, estudos sobre os mecanismos da polipneia mostraram que o resfriamento evaporativo não ocorre a partir do resfriamento nos pulmões e sim nas vias aéreas superiores. No bezerro e no ovino, a polipneia resultante do aumento da temperatura ambiente pode se iniciar antes mesmo de ocorrer aumento da temperatura do suprimento sanguíneo do cérebro. Caso a temperatura externa permaneça constante, a polipneia térmica também poderá acontecer mediante aquecimento local do hipotálamo anterior ou pela elevação da temperatura corporal. Isso prova que tanto a polipnéia quanto a sudorese podem ser resultado de estímulos reflexos periféricos ou centrais (REECE, 1988).
Foi relatada pouca correlação entre a temperatura retal e a atividade respiratória em bovinos e ovelhas (HALES, 1969).
A polipneia pode gerar nos animais expostos a estresse grave pelo calor a alcalose respiratória e a hipocapnia relacionadas à hiperventilação pulmonar (REECE, 2006).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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