Introdução à Fisiologia Cardiovascular – Revisando a anatomia
Naiara Viegas Portella Lemos, Jéssica Francisco de Oliveira, Catharine Mendes Costa, Tania Gouvêa Thomaz e Ismar Araujo de Moraes.
2021
A fisiologia cardiovascular é o estudo da função do coração, dos vasos sanguíneos e do sangue e sua função primária pode ser resumida nas palavras: bombeamento e transporte. Para entender melhor a funcionalidade desse sistema de tamanha importância para a manutenção da vida e da saúde dos animais, é necessário compreender bem a anatomia de seus componentes, que são coração, artérias, capilares e veias. Neste texto vamos concentrar as informações nos animais domésticos de interesse econômico ou não.
O Coração dos animais
O coração é um órgão muscular oco, uma poderosa bomba que ocupa a maior parte do espaço mediastino (GETTY, 1986). Em todas as espécies veterinárias, localiza-se no mediastino, que é o espaço entre as duas cavidades pleurais que contêm os pulmões. Como deve bombear o sangue, rico em oxigênio e nutrientes por todo o corpo, faz sentido que ele seja centralmente localizado no tórax. Ele é circundado pelos pulmões e protegido pelas costelas. Nos gatos e cães, o coração situa-se entre a terceira e a sétima costelas. Em cavalos e ruminantes, está situado entre a segunda e a sexta costelas (WAGNER, 2008).
Sua forma é comparada a de um cone irregular, apresentando uma base circular na parte mais dorsal, sendo por onde os principais vasos sanguíneos entram e saem e seu ápice situa-se centralmente, dorsal ao esterno (GETTY, 1986). A camada externa do coração, que recobre o miocárdio, é denominada pericárdio e consiste em duas camadas: uma externa, o pericárdio fibroso, e uma interna, o pericárdio seroso. O pericárdio fibroso é constituído de tecido conectivo fibroso resistente que protege o coração e frouxamente o adere ao diafragma. O pericárdio seroso é realmente constituído de duas camadas: a interna, camada visceral, também denominada epicárdio, que é intimamente aderida ao músculo subjacente, e a externa, camada parietal, que repousa entre o epicárdio e o pericárdio fibroso (WAGNER, 2008).
Internamente, o miocárdio tem suas cavidades revestidas pelo endocárdio, uma fina camada formada por células endoteliais contínua ao revestimento dos vasos sanguíneos. (GETTY, 1986) Nas espécies domésticas, o coração dos adultos consiste em quatro câmaras: átrio direito, átrio esquerdo, ventrículo direito e ventrículo esquerdo. Os dois átrios são separados por um septo interno (septo interatrial), assim como os dois ventrículos (septo interventricular), mas o átrio e o ventrículo de cada um dos lados comunicam-se por meio de uma ampla abertura, onde se localizam as valvas (DYCE, 2010).
É válido ressaltar que em peixes, anfíbios e répteis, a anatomia cardíaca é diferente. Nos peixes, há apenas duas câmaras, sendo um átrio e um ventrículo e a circulação é simples, ou seja, o sangue passa uma única vez pelo coração. A circulação ocorre da seguinte forma: o átrio recebe o sangue venoso, que então passa para o ventrículo, de onde é bombeado para as brânquias e é oxigenado. O sangue, então com altas concentrações de oxigênio, é distribuído pelos tecidos, onde ocorrem trocas gasosas, e retorna ao átrio já como venoso. Assim, percebe-se que o coração dos peixes recebe apenas sangue rico em gás carbônico (AMABIS e MARTHO, 2009).
Já o coração dos anfíbios adultos possui três cavidades: 2 átrios e um ventrículo. O sangue venoso desemboca no átrio direito e o sangue arterial, proveniente do pulmão, desemboca no átrio esquerdo. O ventrículo então recebe o sangue de ambos átrios e ocorre uma mistura. Assim, essa mistura de sangue venoso e arterial sai do ventrículo e uma parte é direcionada ao pulmão, onde ocorrem as trocas gasosas e o sangue então com altas concentrações de oxigênio retorna ao átrio esquerdo. A outra parte é direcionada aos tecidos corporais, onde também ocorrem trocas gasosas, e o sangue passa a ser venoso e retorna ao átrio direito, finalizando a circulação. (AMABIS e MARTHO, 2009).
Nos répteis não crocodilianos o coração possui 2 átrios e um ventrículo. Entretanto, esse ventrículo possui internamente uma proeminência muscular que, juntamente com as diferenças de pressão nos intervalos de saída, mantém o sangue oxigenado separado do sangue não oxigenado. Já nos crocodilianos, o coração possui quatro câmaras comparáveis ao de mamíferos e aves (DEVOE, 2008).
O coração, portanto, em mamíferos e aves, é constituído por duas metades combinadas em um único órgão. A metade direita recebe o sangue desoxigenado (venoso) do corpo e o envia ao tronco pulmonar, que o conduz aos pulmões para a reoxigenação. A metade esquerda recebe o sangue oxigenado (arterial) dos pulmões através das veias pulmonares e o lança na aorta, que o distribui ao corpo pela circulação sistêmica, fornecendo oxigênio aos tecidos (DYCE, 2010).
Nos animais domésticos, segundo Klein (2014), o sangue que circula pelo corpo levando oxigênio sai do ventrículo esquerdo e vai para a artéria aorta, que divide-se e subdivide-se, chegando a todos os tecidos do corpo. Depois que o sangue atinge os capilares nos mais diversos órgãos, ele vai para as vênulas e em seguida para as pequenas e posteriormente grandes veias, até chegar na veia cava, onde é direcionado para o átrio direito. Esse trajeto é chamado de circulação sistêmica. Do átrio direito o sangue passa para o ventrículo direito, sendo bombeado para a artéria pulmonar (única artéria que transporta sangue venoso). A artéria pulmonar ramifica-se, levando o sangue até os capilares alveolares no pulmão, onde é oxigenado e posteriormente recolhido pelas veias pulmonares, que o levam ao átrio esquerdo, onde passa para o ventrículo esquerdo. Esse trajeto define-se como circulação pulmonar.
Na maior parte do corpo, o sangue passa por uma rede de capilares e é direcionado para as veias e posteriormente coração. Entretanto, em alguns casos, o sangue passa por um segundo leito capilar antes de ser direcionado ao coração. Esse arranjo de dois leitos capilares em série é chamado sistema porta (KLEIN, 2014).São exemplos: sistema porta-hepático, sistema porta renal e sistema porta hipotalâmico hipofisário.
Átrio Direito
Nos animais domésticos, o átrio direito está localizado na parte cranial direita da base do coração e dorsal ao ventrículo direito, consiste em um seio venoso, no qual as veias se abrem. Possui uma aurícula (divertículo cônico onde estão presentes os músculos pectiniformes, que auxiliam na contração) e cinco óstios (veia cava cranial, veia cava caudal, seio coronário, forames das veias mínimas e o óstio atrioventricular direito. Na parede septal encontra-se a fossa oval, que é remanescente do forame oval, estrutura pela qual os átrios se comunicam no feto. Ainda, na junção da aurícula direita com a veia cava cranial há uma projeção, denominada crista terminal, que é muito importante para regular a frequência cardíaca. (GETTY, 1986).
Átrio Esquerdo
O átrio esquerdo forma a parte caudal da base do coração. É onde se abrem as veias pulmonares, cujo número e disposição varia de acordo com as espécies e até mesmo dentro delas. A parede septal pode apresentar uma depressão, uma cicatriz que é remanescente da valva do forame oval do feto. A cavidade do átrio esquerdo é semelhante à cavidade do átrio direito (GETTY, 1986; DYCE, 2010).
Ventrículo Direito
GETTY (1986) constitui o ventrículo direito como a parte cranial direita da massa ventricular do coração, que, quando em corte transversal, apresenta formato de meia lua. Sua parte esquerda projeta-se para cima formando o cone arterial, de onde se origina o tronco pulmonar. Sua base conecta-se com o átrio direito por meio do óstio atrioventricular direito, no qual se encontra a valva atrioventricular direita (ou valva tricúspide), que é composta por três abas. Essas abas (ou cúspides) são ligadas pelas cordas tendíneas, que também se inserem nos músculos papilares, que são projeções da parede ventricular.
Se comunica com a artéria pulmonar pelo óstio pulmonar, o qual é guarnecido pela valva pulmonar, composta por três cúspides semilunares (direita, esquerda e intermediária). Suas paredes apresentam cristas e faixas musculares, denominadas trabéculas carnosas, que podem ser de três tipos: cristas ou colunas em relevo, músculos papilares e trabéculas septomarginais, que são muito importantes e fornecem um atalho durante a condução do impulso elétrico, garantindo uma contração mais simultânea de todo o ventrículo. Ainda, essa câmara é incompletamente dividida por um feixe muscular robusto, denominado crista supraventricular. (DYCE, 2010).
Ventrículo Esquerdo
O ventrículo esquerdo é uma câmara que forma o ápice do coração como um todo e possui a parede muito mais espessa, devido a sua função de bombear sangue para todos os tecidos corporais. Se comunica com o átrio esquerdo pelo óstio atrioventricular esquerdo, que é guarnecido pelas valvas átrio ventriculares esquerdas, que são bicúspides. As cúspides das valvas são mais largas e espessas que as do lado direito. Na comunicação do ventrículo esquerdo com a aorta, encontra-se a valva aórtica, a qual é semelhante à valva do tronco pulmonar, porém as cúspides semilunares são mais fortes e espessas. (GETTY, 1986; DYCE, 2010).
Sistema de Condução do Coração
Getty (1986), afirmou que o sistema de condução é o responsável por sincronizar e dar ritmo às contrações que são provocadas pelo Sistema Nervoso Autônomo e constitui-se do nó sinoatrial, nó atrioventricular, fascículo (ou feixe) atrioventricular e fibras de Purkinje. Os nós são formados por células musculares cardíacas modificadas e ambos se localizam no átrio direito, sendo o nó sinoatrial (também chamado de “marca-passo”) encontrado na crista terminal e o nó atrioventricular próximo ao óstio do seio coronário, sob o endocárdio na parede septal. Devido a isso, o coração é capaz de iniciar seus próprios potenciais de ação e contrações musculares, sendo possível ter o batimento mesmo que não haja estímulo pelos nervos autonômicos.
O feixe atrioventricular é formado por um grupo de fibras especializadas, e começa no nó atrioventricular e segue pelo septo interventricular, dividindo-se em ramos direito e esquerdo. Essas fibras seguem pelo coração na região subendocárdica, formando as fibras de Purkinje, que se distribuem nas paredes, nos septos interventriculares, nas trabéculas septomarginais e nos músculos papilares. As fibras de purkinje, portanto, transportam rapidamente o potencial de ação ao longo das paredes internas de ambos os ventrículos, pelas camadas subendocárdicas. A partir disso, os potenciais de ação são propagados de célula para célula. (KLEIN, 2014).
Referenciação Bibliográfica
AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Animais Cordados: Protocordados e Vertebrados. In: ____. Fundamentos da Biologia Moderna. 4ed. São Paulo: Moderna, 2006. 839p. cap. 17 p. 428-456.
DEVOE, Ryan. Anatomia e Fisiologia de Anfíbios e Répteis. In: COLVILLE, T.; BASSERT, J. M. Anatomia e Fisiologia Clínica para Medicina Veterinária. 2ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 1296p. cap. 20 p. 963-1030.
DYCE, K. M.; SACK, W. O.; WENSING, C. J. G. O Sistema Cardiovascular. In: ____. Tratado de Anatomia Veterinária. 4ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.1714p. cap. 7 p.448-532.
GETTY, R. Generalidades sobre o coração e os vasos sanguíneos. In: ____. Sisson/Grossman Anatomia dos Animais Domésticos. 5ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986, 1134 p. 2v. v.1, cap. 11, p. 153-162.
KLEIN, B. G. Revisão da Função Cardiovascular. In: ____. Cunningham Tratado de Fisiologia Veterinária. 5ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 1599p. cap 18, p. 393-424
WAGNER, S. O Sistema Cardiovascular. In: COLVILLE, T.; BASSERT, J. M. Anatomia e Fisiologia Clínica para Medicina Veterinária. 2ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 1296p. cap.8 p. 392-425.
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